Transtorno é caracterizado pela dificuldade das crianças em ressocializar após muito tempo de isolamento
A pandemia de Covid-19 pode causar impactos duradouros na saúde mental de crianças e adolescentes. A psicóloga Cleuza Barbieri, especialista em desenvolvimento infantil e adolescente, afirma que crianças são naturalmente sociáveis e se desenvolvem se relacionando com outras pessoas.
“Crianças aprendem se relacionando, brincando, trocando e se frustrando com seus pares. Então há um prejuízo [no isolamento] que pode potencializar algumas patologias nessas crianças, como ansiedade, medo, pânico.”
Segundo o relatório Situação Mundial da Infância 2021 do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), mais de uma em cada sete crianças no mundo, com idade entre 10 e 19 anos, possui algum transtorno psicológico agravado pelo contexto da Covid-19. Já no Brasil, uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo mostra que uma em cada quatro crianças e adolescentes apresentam sinais de ansiedade e depressão, após o surgimento do coronavírus e da necessidade de isolamento social.
Karolina Peres de Oliveira é mãe de duas crianças, estudantes da rede pública de ensino do Distrito Federal. Ela descreve como seus filhos tiveram dificuldade para se socializarem após a volta às aulas presenciais.
“O isolamento social afetou os meus filhos. Eles ficaram menos sociáveis com as crianças de fora. Quando eles viam uma criança, eles ficavam sem interação natural. Isso foi notado logo depois que começaram as aulas. Na escola demorou um pouco para eles se socializarem bem com as outras crianças.”
Patrícia Coimbra, coordenadora pedagógica de uma escola em Brasília, também sentiu diferença no comportamento na volta às aulas presenciais.
“Os alunos voltaram ansiosos e com certa dificuldade de interação. Tivemos que desenvolver um projeto para trabalhar o emocional das crianças e a readaptação no ambiente escolar.”
Ela avalia que a volta às aulas presenciais é extremamente importante para o desenvolvimento das crianças. “A criança precisa estar na escola. O convívio social e a professora por perto são fundamentais para o processo de aprendizagem. É importante os pais mostrarem para as crianças a importância da escola, incentivar e motivar essa vinda para escola. Escola e família precisam caminhar juntos.”
Síndrome de Gaiola
A psicóloga clínica Muriell Coelho comenta sobre essa dificuldade de interação social, denominada como Síndrome de Gaiola.
“A Síndrome da Gaiola é um transtorno que consiste na pessoa ter a possibilidade de interagir e socializar, mas que internamente e emocionalmente ela se sente impedida ou acuada para tal, causando agravamento da situação de isolamento e transtorno psicológico como ansiedade, depressão e a condição também pode impactar no processo de aprendizagem da criança.”
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Ela também alerta para o isolamento em excesso.
“Os sinais que merecem atenção seriam um isolamento em excesso; aquela dificuldade da criança em interagir com pessoas que estão fora do convívio familiar ou com quem tenha passado a pandemia junto. Você percebe que a criança fica mais acuada, tem mais dificuldade de conversar, de interagir, de manter o diálogo, de brincar, choro excessivo ou sintomas de ansiedade, irritabilidade quando a criança está prestes a sair de casa. E também [tem] preferência em realizar atividades em casa sobre as externas.”
Cuidados
A psicóloga Cleuza Barbieri alerta para o excesso de medo imposto pelos pais sobre o retorno ao convívio em sociedade.
“Tem que observar se existe muito medo imposto pela sociedade, pelos pais, pela escola nesse retorno, com muito cuidado, com excessos de preocupações. Isso também pode ser um pouquinho difícil para as crianças nesse sentido.”
Ela recomenda os cuidados que os pais devem tomar no retorno dos pequenos às aulas presenciais.
“O cuidado que os pais devem tomar com essa ressocialização seria simplesmente em qual contexto as crianças vão estar inseridas. Observar se a criança está sendo aceita no núcleo onde ela está indo para escola. Se não há uma questão de bullying, se não há uma questão de medos excessivos. Porque a criança por si só consegue se ressocializar. Ela consegue fazer contato, ela consegue criar amigos, ela consegue se adaptar a situações. Criança é muito adaptável.”
A psicóloga Muriell Coelho orienta os pais a apoiarem os filhos, caso demonstrem insegurança.
“Também nunca devem repreender a criança: você tem que ir pra escola agora, não tem outra opção. É importante ter acolhimento, ter paciência, legitimar o que a criança está sentindo, estimulá-la e ter uma compreensão de que a criança, no ritmo dela, vai se ressocializando”, acrescenta.
Fonte: Brasil 61