Estudo do Ministério da Fazenda traçou vários cenários. Isenções e tratamento diferenciado a alguns setores elevam a alíquota prevista para o IVA. Para especialistas, maior transparência da reforma serve para mostrar quão alta é a carga de impostos existente
O estudo do Ministério da Fazenda com estimativas para o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) expõe a falta de transparência do atual sistema tributário e o quão alta é a carga de impostos sobre os brasileiros. Além disso, mostra que, quanto mais exceções no texto da reforma tributária, maior será o valor do novo imposto. A avaliação é de especialistas ouvidos pelo Brasil 61.
O advogado tributarista Renato Gomes diz que, no sistema atual, empresas e consumidores não sabem quanto, de fato, pagam de imposto sobre cada compra. Ele destaca que o estudo não aponta para aumento de carga tributária com a aprovação da reforma. Na verdade, a reforma apenas vai dar transparência para quão elevado é o peso dos impostos atuais, completa.
“A gente tem uma carga tributária que é alta por diversos fatores. Primeiro, pelo fato de uma cultura de tributação excessiva, que incentiva o não pagamento de tributos por parte de diversos contribuintes que buscam fraudar a fiscalização. Isso se tornou um hábito cultural brasileiro e, para compensar essa sonegação fiscal, o governo acaba pesando também a mão do outro lado, ou seja, naquilo que ele consegue cobrar. Isso tornou a nossa carga realmente uma carga muito grande. E aí aquele que quer ser correto e paga o tributo acaba sendo muito prejudicado”, diz.
Professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Josilmar Cordenonssi concorda. “Sem dúvida [o estudo] apresenta que, na verdade, nós já pagamos, principalmente nos bens industriais, uma carga alta e também para serviços como a energia elétrica, telefonia”, exemplifica.
O novo tributo brasileiro — batizado de IVA dual — soma a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Ele vai substituir os cinco principais tributos que os cidadãos pagam quando compram algum produto ou tomam algum serviço, atualmente: IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS.
Quem defende a aprovação da reforma diz que o novo sistema não pode aumentar a carga tributária. Ou seja, que a arrecadação com CBS, IBS e o Imposto Seletivo (IS) não deve ser maior nem menor que a obtida com os tributos atuais.
Relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019 no Senado, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) afirmou que o levantamento da Fazenda é importante para balizar o debate em torno do texto.
“Esse documento é a base da fundamentação da discussão do custo-benefício da reforma dentro do Senado. Vamos poder analisar cada um dos pontos em cima dos números e a população brasileira, o setor produtivo vai tomar conhecimento e isso vai ajudar a termos um juízo de valor.”
Cenários
O Ministério da Fazenda projetou diversos cenários para conseguir estimar qual seria a alíquota padrão do IVA brasileiro sobre os bens e serviços. O último cenário é o que mais se assemelha à versão da reforma aprovada pelos deputados. Se ele se confirmar, o novo tributo brasileiro ficaria entre 25,45% e 27%.
Por outro lado, o levantamento mostra que quanto menos bens e serviços tiverem tratamento diferenciado no texto, menor será o IVA geral, isto é, que a maior parte das atividades terão que recolher.
Depois de citar as variáveis que acabam influenciando o valor do novo tributo (saiba mais abaixo), o Ministério da Fazenda projetou oito cenários para a alíquota padrão do IVA. No cenário A, o estudo mantém os benefícios das empresas do Simples Nacional e da Zona Franca de Manaus, mas não reduz alíquota para nenhuma atividade, inclusive saúde e educação. Neste cenário, o IVA ficaria entre 20,7% e 22%.
O cenário B projeta um IVA entre 22,4% e 23,8%, caso a agropecuária e os itens da cesta básica paguem metade do imposto padrão. Daí em diante, a cada novo cenário adicionam-se mais setores com direito a tratamento diferenciado, o que aumenta a alíquota final do novo imposto. No último cenário, a Fazenda considerou todos os tratamentos diferenciados que foram aprovados pela Câmara. Assim, o IVA ficaria entre 25,45% e 27%.
Cordenonssi diz que, quanto menos setores se beneficiarem com alíquotas reduzidas, menor será o IVA final. Por outro lado, quanto mais houver tratamento especial, maior será o imposto que os demais terão que pagar. A decisão não é simples, afinal, bens e serviços importantes, como saúde, educação, medicamentos e itens da cesta básica, por exemplo, estão entre os favorecidos pelo texto da PEC 45.
“No fundo, é isso. Quanto mais isenção você der para um lado, mais você vai ter que subir a alíquota nos outros setores para que, em média, você tenha a mesma arrecadação em relação ao PIB que tem hoje”, explica.
O que influencia a alíquota do IVA
De acordo com o estudo do Ministério da Fazenda, a alíquota padrão do novo tributo (CBS + IBS) vai depender de vários fatores. O primeiro deles é a arrecadação do Imposto Seletivo, uma vez que a soma da arrecadação deste com a do IVA terá que ser igual à de IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS. Nas simulações que a pasta fez, o IS incidiria sobre cigarro e bebidas.
O segundo fator que vai pesar na definição da alíquota de referência é a arrecadação obtida com a tributação dos bens e serviços que terão regimes específicos, segundo a PEC 45 — caso de combustíveis, atividades financeiras e serviços de hotelaria, bares e restaurantes, por exemplo.
Já o terceiro fator de impacto nas projeções é a quantidade de bens e serviços que vão pagar menos impostos do que a maioria ou mesmo estarão isentos de tributos, como é o caso dos itens da cesta básica.
Finalmente, a alíquota padrão também vai depender do tal “hiato de conformidade”. Trata-se da diferença entre o que o governo espera arrecadar com base na legislação e aquilo que, de fato, arrecada-se.
Para esse hiato, a pasta trabalhou com dois cenários. No primeiro, mais ambicioso, essa diferença seria de 10%, algo semelhante ao que ocorre na Hungria, país com o maior IVA do mundo. Isso significa que, a cada R$ 10 de potencial de arrecadação, o país deixa R$ 1 pelo caminho. No segundo, mais conservador, o hiato de conformidade seria de 15%.
Caso o Senado mantenha os tratamentos diferenciados e os artigos inseridos no texto da reforma tributária que a Câmara dos Deputados aprovou no início de julho, o Brasil pode empatar com a Hungria como o país que tem o maior Imposto sobre Valor Agregado (IVA) do mundo: 27%. A informação considera estimativas do Ministério da Fazenda para o IVA e dados da organização Tax Foundation.
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Fonte: Brasil 61